quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Contos - Janice e o umbligo

de Verônica Stigger

Janice vivia enamorada de seu umbigo. Não fazia muito tempo que havia dispensado dois gêmeos fortes, másculos e apaixonados para poder ficar sozinha consigo mesma e apreciar – sem uma alma para lhe roubar a paciência e o bom humor – aquele buraquinho perfeitamente bem delineado de sua barriga.
Numa outra sexta-feira, ao tentar ajeitar suas costas arqueadas, tocou sem querer os lábios em sua barriga. Muitíssimo feliz com a nova possibilidade, repetiu infinitamente o mesmo gesto. Impulsionava o tronco para frente e beijava seu umbigo. Beijava e beijava e ria satisfeita. Dos beijos, passou às lambidas. Gastava horas lavando seu umbigo com cuspe.
Numa terceira sexta-feira, de súbito, prendeu sua língua num buraco aberto pela acidez de sua saliva. Mesmo assustada, Janice amou a novidade. Com o transcorrer dos dias, das semanas, dos anos, o buraco tornou-se gradativamente maior: penetrava nele não só a língua, mas também a boca e o nariz.
Numa derradeira sexta-feira, Janice trancou as orelhas no seu umbigo. Ao invés de tentar tirá-las, introduziu-as ainda mais, arrombando de vez seu buraquinho. De repente, zupt!, foi-se a cabeça de Janice para dentro de sua barriga. Extasiada, forçou ainda mais a passagem. Os ombros entraram com uma certa dificuldade. Depois deles, o buraco se distendeu, facilitando o ingresso do resto de seu corpo. Os braços, o peito, as pernas, os pés submergiram em Janice como água escorrendo pelo ralo. O último a sumir foi o piercing.
Hoje, Janice vive feliz, inteira dentro de seu umbigo.

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