quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Lista de presentes para um aniversário que não vai chegar...

Manhãs azuis
Tardes douradas
E noites inspiradoras
O doce do chiclete, e não o amargo da boca
Capacidade de ouvir as coisas crendo piamente sem me importar o quão fantasiosas possam parecer
Dias tristes pra quebrar a rotina, quando dia triste não for rotina
Livros que me levem para um além de mim
Musicas que me façam levitar
Filmes que me façam chorar de alegria
Um corte de cabelo com o qual sempre sonho
Minha coleção de playmobil de volta
Minha vontade de brincar com playmobil de volta
Me conhecer melhor, só pra voltar a me perder no meu emaranhado de “eus”
Dormir pensando em ser feliz, sonhar com sorvete de chocolate, e acordar com gosto de recreio no céu da boca
Palavras engraçadas em poesias bobas e despretensiosas
E ter eternamente essa minha vocação pra palhaço sem picadeiro
Um sedativo para o meu pessimismo, e um energético pra minha euforia
Caixas de primeiros socorros no caminho que trilho
Que o gosto do danoninho não estranhe meu paladar
E que ainda exista motivos pra se pensar em revolução
Capacidade de voltar a crer nas pessoas
Ser metade do homem que foi meu pai
E apesar de não crer em céu, acreditar que minha mãe tem seu cantinho garantido
Ter uma relação harmoniosa com as pessoas que vi crescer, minha irmã e meu irmão
Ter a chance de voltar no passado só pra cometer os mesmos erros
Ter um filho, e poder dizer pra ele que ser honesto vale a pena
Ter sempre no seu afeto um cantinho pro meu aconchego
Uma banda de fanfarra pra me acordar todos os dias
E um coral de anjos pra me por pra dormir
Uma colombina pra alegrar o bobo sem corte que sou,
Minha capacidade de amar intacta,

“...Um espelho mais feliz...”



Douglas Alves

A COMÉDIA DA VIDA

por Sérgio de Agostino

- Que bela comédia! - disse madame Juliana, apoiando-se no braço do marido. Sorridente, ele assentia com ligeiro inclinar da cabeça àquela observação da esposa, enquanto desciam as escadas de acesso à rua.
O burburinho dos espectadores parecia aprovar a satisfação do casal. Muito loquazes, todos traziam um sorriso de incontida alegria, próprio de quem desfrutara ao máximo o espetáculo.
Na rua, uma garoa típica das frias noites de junho dispersou, rapidamente, o público que, há pouco, lotara a sala. Alguns minutos após a saída, o teatro mergulhara em profundo silêncio, como se nada houvera acontecido, como se o público lá não estivera, enchendo-o com o alarido dos comentários e aplausos. Agora, só o eco de tardos passos do zelador se faziam ouvir subindo a escadaria que ligava o saguão de entrada à platéia escassamente iluminada por diminutos focos de luz colocados, espaçadamente, nas paredes laterais. Ao fechar a sala e correr a cortina, ouviu, assustado, vozes no palco. Colhido de surpresa, as pernas bambearam-lhe e, não podendo suster o corpo, espichou-se redondamente numa poltrona. Não podia crer no que via: a cortina do palco aberta, as luzes da ribalta acesas, e vozes, muitas vozes falando ao mesmo tempo, como se os atores ainda lá estivessem representando os seus papéis. Aturdido, procurava ver os donos das vozes, mas nada divisava, a não ser alguns objetos se movimentarem em cena tocados por invisíveis mãos. Um suor gelado umedeceu-lhe as têmporas. O coração parecia querer saltar-lhe do peito. Uma sensação de impotência travou-lhe os movimentos, deixando-o hirto, como se o houvessem colocado numa camisa de força. Pouco a pouco, foi vencendo o estupor e, atento à fala das personagens, ouviu:
"- Ah! O público...Reage como se as estocadas não fossem dirigidas a ele. Vocês viram como madame Juliana sorriu de forma velada quando dissemos que o adultério é o que liga três pessoas sem uma saber. Pobre marido, que se desfez em riso, sem perceber que era o alvo de tão certeira seta."
"- Sim, é verdade - atalhou uma voz masculina. - O palco é o grande espelho, o confessionário público onde, às escondidas, um alto-falante espalha, sem pudor, aquilo que se pretende esconder."
E ouve-se ainda:
"- E o jovem de mãos dadas àquela senhora de idade bem avançada, coberta de finas jóias? Vocês perceberam com que dissimulação ele a acariciava?"
"- Não tão dissimulado - disse outra voz - que não pudesse ocultar de todo a aversão sentida por aquele pergaminho humano."
"- O interesse - fala tudo que é língua, meus caros, e representa tudo que é personagem, mesmo a do desinteressado - disse uma voz pausada e monótona que, ao julgar pela inflexão, devia ser de pessoa mais experiente, mais vivida."
"- É verdade - acrescentou outra voz não menos versada na arte de viver - quando eu era jovem acreditava que só o dinheiro podia comprar tudo. Agora que sou velho: tenho certeza."
Uma gargalhada vinda da platéia denunciou a presença de quem não fora convidado para ouvir os comentários feitos à margem do texto. Assustadas, as personagens abandonaram a cena. A cortina rapidamente se fechou. As luzes apagaram-se. Era o fim de mais um ato da ridícula comédia humana.
Já refeito do susto, o zelador, que a tudo estivera atento, viu, sobre uma poltrona, a um canto, um cartão orlado de delicados arabescos, onde uma letra nervosa escrevera: "Obrigada pela inesquecível noite. Quando repetiremos a aventura? Nada tema: meu marido sairá em viagem de negócio dentro de uma semana."
Sobre a cortina do palco, bordada em alto relevo, enlaçada à máscara da tragédia, a comédia trazia, na boca escancarada, a gargalhada provocada pela comédia da vida.

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

SAUDADES NO ARMÁRIO

Saudade palavra que alguém;
Fez-me sentir ao partir.
Consome e traz amor pela eternidade.
Eu sinto, eu respiro, eu saio, eu grito;
E lá ela permanece.
Por que eu luto?
Os lugares mudam;
Ela é a mesma.
Quem traz saudade;
Não é por maldade.
Você se foi e não vai voltar;
Você se foi e me fez chorar.
Eu nem me despedi;
E quando vi já estava sem ti.
Estou aqui e sempre rezo por ti;
Pra te mostrar que não te esqueci!

Aline lira
alineleelira@gmail.com

Esse não é você, disse Paulo!


Tomaram-me pelo o que eu não era,
Na embriagues do copo eu refletido,
Em noites cinzentas, entre bons amigos,
Procurando a realidade de um ser sem dia a dia,

Tomaram-me por outro que distante de mim
Parecia ser mais real do que meu próprio toque,
A dor indivisível de um corte a gilete na carne frouxa,
A voracidade mórbida de um soco no saco de areia,

Vestiram-me com outras roupas,
Que não me cabiam com perfeita simetria,
Tenho saudade da bola de capotão,
E do meu singularíssimo entendimento da palavra alegria,

Desenharam-me com outros traços,
Pouca tinta e nem uma luz,
Mal sabem eles que esse desenho eu mesmo faço,
Com a incerteza do lápis que me conduz,

Traço a traço fizeram o que devera eu ser,
Sem hesitantes traços, sem cores, senão as que tenho,
E nessa luta infinda entre o que sou, e o que seu lápis fez de mim,
Restou um homem mal desenhado que traz nas veias o tom do próprio carmim...

Douglas Alves



quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Ressaca

A vida é um gole,
Dado as pressas,
Engolido a seco,
E há quem diga que embriaga de uma só vez,
Num instante tão único que chega a se confundir com o primeiro gozo.

A vida é um gole,

Amargo,
Quando falta doçura nos olhos da alma,
Engolido com expressão facial,
Num instante tão imorredouro que nem o pensamento alcança,

A vida é um gole,

Inodoro pra quem esta só de passagem,
Engolido sem tempo de espera na esfera do memorável,
Num instante que não merece fotografia, nem mesmo a da lembrança,

A vida é um gole,

Advindo de uma necessidade única e exclusivamente biológica,
Com sabor de contentamento,
Num momento tão preciso, que o olho humano não se habilita a ver,

A vida é um gole,
Agradável sabor que vem pra matar uma sede infinda,
Engolido com gosto de jardim no deserto do não se conter,
E há quem diga que é capaz de beber todo um ribeirão,
Num instante que traz a meu paladar um sabor de soverte de flocos,
Nos tempos idos de minha infância,
Quando eu bebia, e a idade não vinha me dizer,
Que o segredo de beber essa vida,
É envesgar os olhos e virar o copo que nem criança...

Douglas Alves

Crônica - Sentidos

O Gelson explicou que tinha sido inundado pelos sentidos. Foi a palavra que usou: inundado. Entrara na cozinha e a Desilaine, a nova cozinheira, estava fazendo um lagarto na panela com muito alho, como sua mãe fazia, e o aroma era o da sua infância. Pegou um aipim frito que esfriava em cima da geladeira e começou a mastigá-lo, e olfato e paladar, para decidir qual dos dois era mais feliz naquele instante mágico, só numa melhor de três. Ao mesmo tempo a cozinha enfumaçada, com um faixo de luz natural fazendo brilhar as maçãs artificiais da mesa, enchia os olhos de Gelson como uma composição da escola flamenga do século XVII. E como se não bastasse isto, no rádio tocava uma música do Caetano. O único sentido que não acompanhava o êxtase dos outros quatro era o tato, e Gelson olhou em volta, atrás de algo para ocupá-lo. Uma das nádegas da Desilaine cabia, miraculosamente, na palma da sua mão, e a sensação da carne rija através do brim, explicou Gelson, completava maravilhosamente aquela tomada sincronizada das portas da percepção humana. Quando dona Zuleica entrara na cozinha, não flagrara uma prosaica mão na bunda da empregada. Interrompera um tableau de plenitude, um momento de sinergia entre memória e experiência que raramente se abre ao Homem, explicou Gelson. Mas dona Zuleica não quis nem saber, despachou a Desilaine e até hoje não fala com o marido, que não pára de lamentar a falta de sensibilidade poética no mundo moderno.

Luís Fernando Veríssimo

Desencontrários

Paulo Leminski

Mandei a palavra rimar,
ela não me obedeceu.
Falou em mar, em céu, em rosa,
em grego, em silêncio, em prosa.
Parecia fora de si,
a sílaba silenciosa.

mandei a frase sonhar,
e ela se foi num labirinto.
Fazer poesia, eu sinto, apenas isso.
Dar ordens a um exército,
para conquistar um império extinto.


Fonte:
http://paginas.terra.com.br/arte/PopBox/kamiquase/dist_ven.htm

Texticullini 1

Essa é a história de uma guerra. Observe bem, companheiro. Aqui não há tempo pra coisas desnecessárias. Não estamos lidando com excesso. O ar aqui é de falta e falta.

Tenho dinheiro na mão. Todo mundo quer isso e faz muita coisa por isso, né, dinheiro. Eu tenho. Basta achar quem queira fazer o que eu quero que façam. Não é difícil.

Eu aqui tenho o meu corpo. Vendo por preço qualquer. Mas prefiro que seja por sonho. Gosto de me iludir. É legal acreditar que se é feliz de vez em quando.

Em tempos de guerra não se permitem excessos, já avisei, companheiros.

Pulo fora de um relacionamento toda vez que vejo que o negócio tá ficando mais sério. Onde já se viu me entregar? Em troca de quê? De crença?


Por sete meses mantive relações com aquela porta. Sua madeira não era boa e a fechadura nunca me deixava ver o que tinha dentro, mas não posso dizer que foi ruim.
O abraço dele era tão macio quanto seria o abraço de um mandacaru.


por Lívia Lima

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Poema

Apoi abri teus oi, tua boca
e assei a minha.
Cuma tava crua
Te apussui e
eu e tu se assando todo.

Assassino.

Assassinarei teus olhos,
desmantelarei teu olhar
para deixar tuas mãos e teu olhar no vazio.
Guerrearei contra todos os portos,
serei ilha, num pacto com outro sol,.
Desintalarei tuas informações , e arrancarei as cores
que impusestes a mim.

Rasgarei.

Sp.02.95

Olhar de um Paulistano

Inspirado na Poesia Sétimo olhar paulistano da poeta Aline Lira
_

Terra, aqui já não vejo,
Cimento cinza, brilho de azulejo,
Um jardim de pedras a se regar,

A vista estreita, já não inaugura paisagem,
A poluição só inventa miragem,
E a sarjeta é travesseiro pra sonhar,

Silencio aqui, só se escuta,
Dia e noite, é sempre labuta,
Pra ver crescer essa cidade sem par,

Paz aqui é concreto e publicidade,
Retrato fiel da nossa abandonada cidade,
Onde a esperança pensa em se suicidar,

Quem aqui se atirou em busca de um lugar ao sol,
Molhou-se na garoa, urinou no lençol,

Assustado agora quer pra casa voltar,

Douglas Alves

Eu tomo pinga, eu não sei o que é melhor pra mim?

A suavidade poética que impregna os acordes pegajosos das canções da banda mineira Pato Fu deixa bem claro que temos sim, uma banda Pop de altíssima qualidade.

Para aqueles ainda não habituados a ouvir um Cd sem se despir das diversas influencias mercadológicas que insistem em vincular hit’s grudentos e, estereotipar os artistas como se fossem esses produtos ao alcance das mãos nas prateleiras da vida, ao ouvir o som do Pato Fu, provavelmente terão a impressão de estar diante de mais uma banda adolescente.

Esse ledo engano, faz com que Fernanda Takai, John e compania sejam tratados como compositores menores, empoeirando de forma prematura uma obra que deveria servir de molde para as diversas bandas que se arriscam nesse terreno perigoso e infértil qualitativamente falando chamado de cenário Pop.

A diversidade de timbres, os arranjos atemporais, a voz pluma de Takai, e a poesia explicita nas canções de John, somados a uma irreverência inteligentíssima, fazem do Pato Fu a melhor e banda Pop do Brasil.



Simplicidade

Vai diminuindo a cidade
Vai aumentando a simpatia
Quanto menor a casinha
Mais sincero o bom dia

Mais mole a cama em que durmo
Mais duro o chão que eu piso
Tem água limpa na pia
Tem dente a mais no sorriso

Busquei felicidade
Encontrei foi Maria
Ela, pinga e farinha
E eu sentindo alegria

Café tá quente no fogo
Barriga não tá vazia
Quanto mais simplicidade
Melhor o nascer do dia

Caça aos gênios do texto


A revista literária Granta revelou autores como Salman Rushdie, Ian McEwan e Hanif Kureishi. Saiba quais são as novas apostas do título britânico, que sai agora em português.

A cada dez anos, a conceituada revista inglesa Granta publica sua seleção de melhores autores jovens. Foram três edições na Grã-Bretanha, em 19 83, 1993 e 2003 — que destacaram gente como Salman Rushdie, Ian McEwan, Hanif Kureishi e Zadie Smith — e duas nos Estados Unidos, em 19 96 e 2006 — que revelaram, entre outros, Jonathan Franzen e Jeffrey Eugenides. A novidade é que, pela primeira vez, traduz-se esse compêndio entre nós. Assim, um ano após o volume mais recente ter saído em seu país de origem, os brasileiros podem conferir os jovens ficcionistas que, na opinião de Granta, devem fazer a diferença literária nos Estados Unidos.

Alguns desses autores são conhecidos. É o caso de Jonathan Safran Foer, autor de Tudo É Iluminado, e de Uzodinma Iweala, que escreveu o empolgante Feras de Lugar Nenhum. Na coletânea de Granta, Foer mantém a qualidade com Quarto Após Quarto, contraponto lírico entre uma paciente moribunda e seu médico, mas Iweala decepciona com Dança Cadaverosa, um registro banal de conflitos familiares.

Bem melhor é o conto Procriar, Gerar, de Anthony Doerr, que parte de um tema comum — a dificuldade de um casal para ter filhos — para compor, com habilidade narrativa notável e de criação de imagem, um afresco sobre as aspirações e decepções humanas. Ou Mãe e Filho, de Akhil Sharma, que traça um retrato vívido de uma família de imigrados indianos, cujos percalços são vistos pela perspectiva de um menino. Ou ainda O Rei Está Acima do Povo, do peruano Daniel Alarcón, sobre o destino incerto das novas gerações em um país que, como muitos da América Latina, equilibra-se entre a democracia recente e a pobreza crônica.

LEGIÃO ESTRANGEIRA
Como Alarcón e Sharma, muitos autores nasceram ou foram criados em outros países: Olga Grushin e Gary Shteyngart (Rússia), Yiyun Li (China) e Rattawut Lapcharoensap (Tailândia). Gera-se, assim, um traço interessante, pois diversas histórias só abordam tangencialmente (ou nem isso) temas americanos. A de Olga Grushin (Exílio), por exemplo, fala de um emigrado russo na Paris dos anos 20, enquanto a excelente Manobristas, de Lapcharoensap, situa-se na Bangcoc atual. Mesmo as narrativas que se passam nos Estados Unidos tratam muitas vezes de suas minorias, como o texto de Iweala, ou o curioso Pessach em Nova Orleans, de Dara Horn, sobre o papel dos judeus na Guerra Civil norte-americana.

Multiculturalismos à parte, pode-se dizer que se, cem anos atrás, os Estados Unidos precisavam deitar os olhos sobre o mundo (sobretudo a Europa) para produzir sua arte, agora é o mundo que pousa o olhar nos Estados Unidos. E o resultado artístico não deixa de ser, no geral, bastante promissor.

*por Marcelo Pen

Fonte:
http://bravonline.abril.uol.com.br/indices/livros/livrosmateria_253427.shtml?page=2