terça-feira, 21 de agosto de 2007

Poesia digital brasileira

1ª Parte
Autor em evidência: Ernesto Manuel de Melo e Castro
Palavras-chave: Poesia Digital. Virtual do virtual

RESUMO: No seu ensaio A poesia portuguesa sob o signo de saturno, João Barrento sustenta a hipótese de que muitos poetas portugueses das últimas décadas do século XX apresentam uma tendência para a melancolia. Com base nesse postulado Lucilo Antônio Rodrigues busca identificar alguns elementos que atestem a permanência de um sentimento de perda (e conseqüente melancolia) na poesia digital de Ernesto Manuel de Melo e Castro.



A poesia de Melo e Castro sob o signo de Saturno

O tempo de saturno é o tempo do espaço sideral, não é o tempo dos homens, determinados pela consciência da morte. É o tempo quase infinito, na escala dos milhões e dos bilhões de anos-luz; tempo que avança e retrocede, relativo. O Tempo de saturno não é o tempo do relógio, mas o do deslocamento no espaço-tempo, ou seja: o tempo enquanto dimensão concreta da realidade, que pode ser identificado como o próprio movimento. O tempo de que falamos não é habitado pela história, porque diz respeito somente à matéria, ao choque de coisas como planetas, moléculas, átomos, fótons.


Figura 1. ARLUZSINAL 3D

Apesar da natureza visual, esse poema tem palavras: o seu título. Decompondo o vocábulo “Arluzsinal”, temos três palavras: ar, luz e sinal. As duas primeiras palavras referem-se, diretamente, ao mundo da matéria: o ar e a luz; o terceiro a um dos possíveis movimentos da matéria: o sinal. É claro que o sinal, enquanto signo, só pode ser entendido pelos homens, mas ele é um dos modos de comunicação entre as máquinas: um computador pode não entender uma proposição verbal, mas pode responder, de modo eficiente, a um sinal. Finalmente, a palavra 3D remete ao universo do mundo virtual, isto é, ao modo como esse poema foi concebido que, por sua vez, relaciona-se com o software utilizado.

Em “Arluzsinal 3D” é notório o plasmar da matéria em um movimento acima ou igual à velocidade da luz; matéria em explosão, em expansão infinita: um big-bang, um pulsar ou uma quantidade infinita de informação. Explodir, expandir é um dos deslocamentos possíveis da matéria, mas, além esse movimento, que denuncia o eu da matéria, há ainda outros eus que se fazem presentes na própria materialização do poema: a máquina, o programa, os algoritmos que produziram essa sensação de movimento também ali respiram e clamam por seu quinhão de vida neste mundo virtual. Também um eu longínquo, da tradição poética, respira aqui: os paralelismos, representados pelos raios de luz, por um lado, garantem um mínimo de equilíbrio ao poema, enquanto a gradação, visível na mudança dos tons, branco-amarelo-laranja e azul-lilás, garante, por outro lado, um movimento modular, atenuando a imagem da velocidade. O homem, aqui, está fora de qualquer possibilidade: não reconhecemos nesse movimento linear as nossas desastradas pegadas, os nossos vacilos e recuos; as linhas propagam-se inflexivelmente retas, certas, duradouras em todas as direções possíveis; é essa certeza inexorável, o movimento maquinal e eterno, que nos remete à Olímpia de Hoffman, aos autômatos de cordas e terminam por povoar o nosso espírito de inquietantes sombras.

Lucilo Antônio Rodrigues
Mestre em Teoria da Literatura / UNESP – S. J. Rio Preto
Doutorando em Teoria da Literatura / UNESP - S.J. Rio Preto
luciloterra@terra.com.br

Fonte: http://www.textodigital.ufsc.br/num03/lucilo.htm

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